Tratamento da Obesidade por Fenótipos
A obesidade é uma condição complexa e multifatorial, e sua heterogeneidade pode dificultar o tratamento. Um estudo conduzido na Mayo Clinic trouxe uma abordagem inovadora ao classificar a obesidade em quatro fenótipos distintos, permitindo a personalização do tratamento farmacológico. Neste artigo, vamos explorar detalhadamente a metodologia utilizada, como os fenótipos foram definidos, quais foram os tratamentos indicados e quais foram os resultados obtidos. Metodologia do Estudo O estudo foi conduzido em duas etapas principais: a caracterização dos fenótipos da obesidade e um ensaio clínico pragmático para avaliar a eficácia de um tratamento guiado por fenótipos em comparação com um tratamento padrão. Participantes e Critérios de Seleção Número total de participantes: 450 pacientes com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²). Critérios de inclusão: Pacientes adultos com obesidade dispostos a realizar os testes fenotípicos e participar do estudo clínico. Critérios de exclusão: Cirurgias gastrointestinais prévias, uso recente de medicações antiobesidade e condições médicas que poderiam interferir nos resultados. Desses 450 participantes, 312 foram selecionados para o ensaio clínico pragmático e divididos em dois grupos: Grupo intervenção (n = 84): Tratamento farmacológico baseado no fenótipo identificado. Grupo controle (n = 228): Tratamento padrão, no qual a escolha da medicação foi feita pelo médico com base em preferências, comorbidades e cobertura do seguro. Os pacientes foram acompanhados por 12 meses, e o principal desfecho avaliado foi a porcentagem de perda de peso. Definição dos Quatro Fenótipos da Obesidade A obesidade foi classificada em quatro fenótipos distintos com base em características fisiológicas e comportamentais relacionadas à ingestão alimentar e ao gasto energético. Para essa classificação, os pesquisadores utilizaram testes metabólicos, questionários validados e exames clínicos. Os fenótipos foram definidos da seguinte maneira: 1. Hungry Brain (Cérebro Faminto) Característica principal: Consumo excessivo de calorias antes de atingir saciedade. Critério diagnóstico: Teste de refeição ad libitum, com consumo calórico acima do 75º percentil. Mulheres: > 894 kcal Homens: > 1.376 kcal Causa provável: Alteração na regulação do apetite no sistema nervoso central, possivelmente envolvendo disfunções no hipotálamo. 2. Emotional Hunger (Fome Emocional) Característica principal: Comer em resposta a emoções, independentemente da fome fisiológica. Critério diagnóstico: Escore ≥ 7 pontos no Hospital Anxiety and Depression Score (HADS), indicando maior ansiedade e predisposição à alimentação emocional. Causa provável: Aumento da ativação dos centros de recompensa do cérebro, levando à alimentação compulsiva. 3. Hungry Gut (Intestino Faminto) Característica principal: Sensação de fome precoce devido ao esvaziamento gástrico acelerado. Critério diagnóstico: Esvaziamento gástrico rápido (≤ 25º percentil do tempo de meia-vida da cintilografia gástrica – T1/2). Mulheres: < 101 minutos Homens: < 86 minutos Causa provável: Alterações na liberação dos hormônios gastrointestinais, como GLP-1 e PYY, que influenciam a saciedade. 4. Slow Burn (Queima Lenta) Característica principal: Redução do gasto energético basal, dificultando a perda de peso. Critério diagnóstico: Gasto energético de repouso (REE) abaixo do esperado (≤ 25º percentil da calorimetria indireta). Mulheres: < 96% do REE previsto Homens: < 94% do REE previsto Causa provável: Baixa massa muscular e menor termogênese adaptativa. Tratamentos para Cada Fenótipo da Obesidade Cada fenótipo foi tratado com uma abordagem farmacológica específica, baseada no mecanismo de ação do medicamento e na fisiopatologia da obesidade. Segundo o estudo, no grupo intervenção, a escolha da medicação foi baseada na identificação do fenótipo predominante de cada paciente, garantindo um tratamento mais direcionado. Para aqueles classificados como Hungry Brain (Cérebro Faminto), foi indicado fentermina-topiramato, devido à sua capacidade de reduzir a ingestão calórica e aumentar a saciedade. Pacientes com Emotional Hunger (Fome Emocional) receberam naltrexona-bupropiona, um medicamento que atua no controle da compulsão alimentar e na regulação do sistema de recompensa do cérebro. Indivíduos com Hungry Gut (Intestino Faminto) foram tratados com liraglutida, um agonista do GLP-1 que retarda o esvaziamento gástrico e prolonga a saciedade. Já aqueles classificados como Slow Burn (Queima Lenta), que apresentavam um metabolismo reduzido, foram tratados com fentermina associada ao aumento da atividade física, visando a elevação do gasto energético basal. No grupo controle, a prescrição das medicações foi feita sem considerar os fenótipos, sendo baseada na experiência do médico, nas comorbidades do paciente e na disponibilidade do medicamento, o que resultou em uma distribuição diferente das terapias utilizadas. Discussão e Resultados O estudo demonstrou que o tratamento baseado nos fenótipos resultou em uma perda de peso significativamente maior em comparação com o tratamento padrão. Os principais achados foram: Média de perda de peso aos 12 meses: Grupo intervenção (fenótipo-guiado): -15,9% do peso inicial. Grupo controle (tratamento padrão): -9,0% do peso inicial. Diferença significativa: -6,9% (p < 0,001). Porcentagem de pacientes que perderam mais de 10% do peso corporal: Grupo intervenção: 79%. Grupo controle: 34%. Menor taxa de falha terapêutica no grupo intervenção (2% vs. 26%). A individualização do tratamento também pode ter contribuído para menos efeitos adversos no grupo guiado por fenótipos. Além disso, essa abordagem permitiu identificar os pacientes que se beneficiariam mais de cada medicação antes do início do tratamento, evitando o método tradicional de tentativa e erro. Referência: doi:10.1002/oby.23120
Fome, Saciação e Saciedade: Entenda as Diferenças e Como Elas Impactam o Seu Peso
Muitas pessoas acreditam que fome, saciação e saciedade são apenas variações da mesma sensação. No entanto, esses conceitos descrevem diferentes momentos do processo de alimentação e têm grande influência no controle do peso e no comportamento alimentar. Compreender essas diferenças pode ajudar a fazer escolhas mais conscientes, melhorar a relação com a comida e até mesmo auxiliar no gerenciamento do peso. A seguir, vamos explorar o que é fome, como ocorre a saciação e como a saciedade funciona, além de algumas estratégias para otimizar cada uma dessas etapas. O Que é Fome? A fome é um mecanismo fisiológico que sinaliza a necessidade de ingestão energética para manter o funcionamento do organismo. Esse processo é regulado pelo hipotálamo e envolve a interação de diversos hormônios e sinais metabólicos. Principais fatores que influenciam a fome Níveis de glicose e nutrientes no sangue: Quando estão baixos, o organismo ativa mecanismos que estimulam o apetite. Hormônios reguladores do apetite: A grelina, conhecida como “hormônio da fome”, é secretada pelo estômago antes das refeições, promovendo o desejo de comer. Outros hormônios, como a insulina e o GLP-1, modulam esse processo. Ritmo circadiano e hábitos alimentares: O corpo pode desenvolver padrões de fome condicionados por horários fixos de refeição. Fatores emocionais e psicológicos: O estresse, a ansiedade e o ambiente social podem influenciar a percepção da fome. A fome pode ser classificada em fisiológica, quando há real necessidade de energia, ou hedônica, quando a ingestão alimentar ocorre por prazer ou estímulos externos, mesmo sem uma demanda metabólica imediata. O Que é Saciação? A saciação é o processo que ocorre durante a refeição e determina o momento em que o indivíduo deixa de sentir fome e interrompe a ingestão alimentar. Esse mecanismo depende do volume e da composição dos alimentos consumidos, além da velocidade da alimentação. Fatores que influenciam a saciação Distensão gástrica: O estômago envia sinais ao cérebro à medida que se expande durante a refeição, contribuindo para a redução do apetite. Liberação de hormônios intestinais: O GLP-1 e a colecistoquinina (CCK) são liberados conforme os alimentos chegam ao trato digestivo, promovendo o fim da refeição. Velocidade da alimentação: Comer lentamente permite que os sinais de saciação sejam processados de forma mais eficiente, reduzindo o risco de ingestão excessiva. Estratégias para melhorar a saciação Mastigação adequada e alimentação sem pressa para permitir a ativação dos mecanismos de controle do apetite. Consumo de alimentos ricos em proteínas e fibras, que prolongam a digestão e aumentam a saciação. Evitar alimentos ultraprocessados, que geralmente possuem alta densidade calórica e baixo potencial saciante. A saciação é um fator importante no controle da ingestão alimentar e pode ser modulada por intervenções dietéticas e comportamentais. O Que é Saciedade? A saciedade refere-se ao período após a refeição em que o indivíduo permanece sem sentir fome. Esse processo está relacionado à digestão, ao metabolismo dos nutrientes e à regulação hormonal. Fatores que influenciam a saciedade Composição da refeição: Alimentos ricos em fibras e proteínas promovem maior saciedade por retardarem o esvaziamento gástrico. Gorduras saudáveis, como as presentes no azeite de oliva e em oleaginosas, também aumentam a saciedade ao modularem a liberação de hormônios intestinais. Carboidratos refinados, como pão branco e açúcar, promovem saciedade de curta duração devido ao rápido aumento e queda da glicemia. Metabolismo e gasto energético: A prática regular de atividade física pode influenciar a liberação de hormônios que prolongam a saciedade. Resposta hormonal: O GLP-1, a leptina e a insulina desempenham papéis essenciais na manutenção da saciedade após as refeições. Dicas para aumentar a saciedade Priorizar fontes de proteína magra, como ovos, frango, peixes e laticínios com baixo teor de gordura. Optar por carboidratos complexos, como batata-doce, arroz integral e quinoa, que fornecem energia de forma mais estável. Incluir fontes de gordura saudável, como castanhas e abacate, para retardar o esvaziamento gástrico. Manter hidratação adequada, pois a desidratação pode ser confundida com sinais de fome. A saciedade é fundamental para evitar episódios de fome precoce e oscilações glicêmicas, contribuindo para o controle de peso e a adesão a planos alimentares mais equilibrados. Conclusão Fome, saciação e saciedade são processos distintos, mas interdependentes, que regulam o comportamento alimentar. A fome sinaliza a necessidade de ingestão de alimentos. A saciação determina o fim da refeição. A saciedade prolonga o período sem fome após a alimentação. Compreender esses mecanismos permite o desenvolvimento de estratégias mais eficazes para o controle do peso, a prescrição de dietas personalizadas e a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis. A abordagem clínica desses processos deve considerar tanto os aspectos fisiológicos quanto os comportamentais, garantindo um manejo nutricional adequado e sustentável.