Guia Prático para Elaboração de Laudo de MAPA 24h (Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial)

Este guia técnico-didático, voltado a médicos especialistas, descreve passo a passo como elaborar um laudo de MAPA de 24 horas de acordo com as Diretrizes Brasileiras de Cardiologia – em especial a Diretriz de Hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). O objetivo é assegurar padronização, qualidade e clareza na interpretação do exame. Critérios de Qualidade Técnica do Exame Para que o exame de MAPA 24h seja válido e interpretável, ele deve atender a critérios mínimos de qualidade técnica: Valores de Referência e Pontos de Corte do MAPA 24h As diretrizes estabelecem valores de referência específicos para as médias de pressão arterial obtidas no MAPA, diferentes dos valores de consultório, para definir normalidade ou hipertensão arterial. Os pontos de corte para hipertensão no MAPA de 24h (valor médio igual ou acima do limite) são os seguintes: Esses limites correspondem aos valores a partir dos quais considera-se anormal a pressão arterial medida por MAPA, equivalendo aproximadamente a pressão de consultório de 140/90 mmHg em termos de riscopmc.ncbi.nlm.nih.gov. Em outras palavras, se a média das 24h for ≥130/80, ou a média diurna for ≥135/85, ou a média noturna for ≥120/70, o exame sugere hipertensão arterial pelo MAPA (pressão elevada fora do consultório). Valores abaixo desses limiares indicam normotensão no respectivo período. Algumas observações importantes sobre os valores de referência: Avaliação do Padrão de Descenso Noturno (Padrão Dipper) Um dos aspectos exclusivos fornecidos pelo MAPA é o padrão de descenso noturno da pressão arterial, isto é, a variação da PA média entre o dia e a noite. Para avaliá-lo, comparamos a média da PA durante a vigília com a média durante o sono, geralmente calculando a redução percentual durante o sono em relação ao período diurnoabccardiol.org. De acordo com as diretrizes, o comportamento circadiano da PA é classificado da seguinte forma: Para calcular essas porcentagens, considera-se tipicamente a pressão sistólica, embora possa-se avaliar também a diastólica. Importante notar que os padrões de descenso de PAS e PAD nem sempre coincidem – por exemplo, um paciente pode ter descenso normal da PAS, mas atenuado da PAD. Nesses casos, as diretrizes orientam descrever separadamente o comportamento de cada componente da PA no laudoabccardiol.org. Do ponto de vista clínico, o padrão de descenso noturno traz informações prognósticas significativas: a ausência de descenso (ou elevação) está associada a maior risco de eventos cardiovasculares e mortalidade, independente dos valores médios de PAabccardiol.org. Assim, pacientes non-dippers ou com padrão invertido tendem a ter pior prognóstico em estudos populacionais. Por outro lado, um descenso extremamente acentuado (>20%) em pacientes idosos também já foi relacionado a maior risco (por exemplo, maior propensão a hipotensão no período noturno e eventos isquêmicos)abccardiol.org. De qualquer forma, as categorias de descenso servem principalmente como marcadores de risco, não havendo evidência de que devam guiar ajustes terapêuticos específicosabccardiol.org – isto é, não se recomenda medicar um paciente apenas para mudar o padrão de dipper/nondipper, pois não há implicação terapêutica comprovada desse achadoabccardiol.org. No laudo, deve-se relatar o padrão encontrado, por exemplo: “Presente descenso fisiológico da PA no sono (padrão dipper, queda de ~15% na PAS média noturna)” ou “Ausência de descenso noturno da PA (padrão não-dipper)”. Isso informa ao médico assistente se o paciente perde a queda noturna esperada. Sempre contextualize com a qualidade do sono reportada – um paciente que referiu sono muito ruim ou interrompido durante o exame pode apresentar um falso padrão não-dipper devido à ativação simpática, e isso merece comentário no laudo. Variabilidade da PA, Carga Pressórica e Fenômenos do Avental Branco/Mascarada Além das médias e do padrão circadiano, o MAPA fornece outros parâmetros e possibilita identificar fenômenos clínicos especiais. A seguir, explicamos como abordar cada um deles no laudo. Variabilidade da Pressão Arterial A variabilidade da PA refere-se ao grau de flutuação dos valores pressóricos ao longo do período monitorado. No MAPA 24h, costuma-se avaliar a variabilidade de curto prazo, ou seja, as oscilações batimento a batimento não são medidas, mas podemos observar a variação entre medidas consecutivas ou calcular o desvio-padrão das pressões sistólica e diastólica durante o dia e a noiteabccardiol.org. Estudos indicam que uma variabilidade diurna aumentada da PAS pode associar-se a maior mortalidade cardiovascularabccardiol.org. No entanto, as diretrizes ressaltam que falta padronização para quantificar a variabilidade no MAPA e não existem pontos de corte estabelecidos para definir variabilidade “normal” ou “excessiva”abccardiol.org. Consequentemente, não se recomenda utilizar rotineiramente índices de variabilidade na interpretação clínica do MAPAabccardiol.org. Como relatar então a variabilidade? Em geral, de forma qualitativa. Pode-se mencionar se a pressão apresentou-se estável ou muito lábil. Por exemplo: “Observa-se importante variabilidade das medidas pressóricas, com oscilações amplas entre as leituras (PAS variando de 110 a 180 mmHg ao longo do dia)”. Caso contrário, se os valores se mantiveram relativamente homogêneos, pode-se dizer “pressão arterial com variabilidade dentro do esperado”. Se o equipamento fornecer os desvios-padrão das médias, esses podem ser incluídos entre parênteses como informação adicional, mas lembrando que não há um “valor normal” formal para desvio-padrão da PA estabelecido. Assim, use a apreciação clínica: variabilidade extrema pode ser sinal de controle inadequado, hiper-reatividade ou fatores externos (atividade física, estresse, etc.) que devem ser correlacionados com o diário do paciente. Carga Pressórica A carga pressórica representa a porcentagem de leituras durante o MAPA que ultrapassam os limites de normalidade para aquele período (24h, diurno ou noturno)abccardiol.org. Em outras palavras, é a “carga” de pressão elevada ao longo do dia/noite. Por exemplo, se de 50 medidas diurnas, 20 foram ≥135/85 mmHg, a carga pressórica diurna é de 40%. No laudo, é útil reportar a carga pressórica sistólica e diastólica, pois complementa a análise da média. Valores altos de carga significam que a PA ficou elevada por boa parte do tempo. Historicamente, considerava-se carga > 30% como sugestiva de hipertensão clinicamente significativa. As diretrizes atuais, porém, apontam que a carga pressórica correlaciona-se fortemente com a PA média e não adiciona muito na estratificação de risco em relação às médiasabccardiol.orgabccardiol.org. Ou seja, pacientes com médias muito altas naturalmente terão carga alta, e vice-versa. Ainda assim, citar a carga pressórica no