os últimos anos, o fisiculturismo na adolescência tem se tornado cada vez mais popular. Com a ascensão das redes sociais e a valorização de corpos extremamente musculosos, muitos jovens buscam alcançar um físico de alto nível desde cedo. Mas será que essa prática é segura? Quais são os benefícios, riscos e impactos psicológicos do fisiculturismo na juventude?
Eu sou Dr. Guilherme Adami, médico residente em Medicina do esporte pelo HCFMUSP, e ao longo deste artigo, vou compartilhar com você o que a ciência diz sobre o fisiculturismo na adolescência. Vamos abordar desde os benefícios do treino de hipertrofia até os perigos do uso de anabolizantes e a influência da imagem corporal na mente dos jovens.
Se você quer se aprofundar no desempenho esportivo, hipertrofia e saúde no fisiculturismo, tenho duas oportunidades para você:
Fisiculturismo vs. Musculação Recreativa: Entenda as Diferenças
O fisiculturismo e a musculação recreativa são frequentemente confundidos, mas possuem diferenças essenciais em seus objetivos e impacto na vida do praticante. Enquanto a musculação recreativa foca na melhora da saúde geral, prevenção de lesões, aumento da força e condicionamento físico, o fisiculturismo exige um nível extremo de controle sobre o corpo, priorizando a hipertrofia muscular máxima e a definição física. No fisiculturismo, cada aspecto do treinamento, da nutrição e até do estilo de vida é planejado para maximizar a estética muscular, muitas vezes em detrimento de outros aspectos da saúde.
Além das diferenças no treinamento e na alimentação, outro fator que frequentemente diferencia o fisiculturismo da musculação recreativa é o uso de esteroides anabolizantes. No ambiente competitivo e de alto desempenho do fisiculturismo, a utilização dessas substâncias se tornou uma prática comum, apesar dos riscos conhecidos para a saúde. O problema se torna ainda mais preocupante quando observamos adolescentes entrando nesse universo sem plena consciência dos perigos envolvidos. A pressão por atingir padrões corporais irreais e a influência das redes sociais fazem com que muitos jovens considerem o uso dessas substâncias como um “atalho” para alcançar um físico mais musculoso em menos tempo.
Um estudo realizado na cidade de São Paulo com 3.150 adolescentes mostrou um dado alarmante: 39% dos entrevistados afirmaram que considerariam o uso de anabolizantes para melhorar sua aparência, mesmo tendo conhecimento sobre os riscos associados. Além disso, 43% demonstraram preferência por métodos rápidos para modificar o corpo, independentemente das consequências, e 36% admitiram não conhecer totalmente os efeitos dos esteroides, mas ainda assim cogitariam utilizá-los. Esses números evidenciam como a busca pela estética pode levar adolescentes a tomar decisões que comprometem sua saúde a longo prazo.
No fisiculturismo, a obsessão pelo controle da composição corporal se manifesta não apenas no treinamento intenso e na dieta altamente restritiva, mas também na mentalidade de que o corpo nunca está suficientemente desenvolvido. Esse fenômeno pode levar à insatisfação crônica com a própria imagem e, em casos mais graves, ao desenvolvimento de transtornos como a dismorfia muscular. Quando essa busca pelo físico ideal ocorre na adolescência, um período de formação da identidade e amadurecimento psicológico, os impactos podem ser ainda mais significativos.
O Papel da Imagem Corporal no Fisiculturismo Juvenil
A imagem corporal tem um papel central no fisiculturismo juvenil. Para muitos adolescentes, a busca pelo corpo musculoso vai além da estética e se torna um reflexo da identidade e autoestima. Durante a adolescência, fase de intensas mudanças físicas e emocionais, a aparência se torna um fator determinante para a aceitação social.
Um estudo realizado com mais de 3.150 adolescentes em São Paulo revelou que 39% dos jovens entrevistados considerariam o uso de anabolizantes para melhorar a aparência, mesmo tendo conhecimento dos riscos, enquanto 43% disseram preferir métodos rápidos para modificar o corpo, e 36% admitiram não conhecer totalmente os efeitos dessas substâncias, mas ainda assim cogitariam utilizá-las .
Esses números mostram como a pressão estética pode impactar as decisões dos jovens e levá-los a considerar práticas arriscadas em busca do físico ideal.
O Corpo Como Identidade: Por Que Adolescentes Se Apegaram Tanto à Estética?
No fisiculturismo, o corpo musculoso representa mais do que força física—ele se torna um símbolo de status e disciplina. Muitos adolescentes enxergam o esporte como uma forma de se destacar e ganhar respeito, especialmente aqueles que já enfrentaram inseguranças relacionadas à aparência.
Um estudo com adolescentes fisiculturistas mostrou que a maioria dos jovens vê o próprio corpo como resultado direto de esforço e dedicação, associando a musculatura ao reconhecimento e aceitação social .
Essa mentalidade pode ser benéfica quando há equilíbrio, mas também pode levar à obsessão por melhorias constantes, tornando a insatisfação com o próprio corpo um fator motivador para treinos cada vez mais intensos.
Fisiculturismo Como Construção da Identidade na Adolescência
Um estudo que investigou o fisiculturismo juvenil sob uma perspectiva psicanalítica revelou que, para muitos adolescentes, a construção do corpo musculoso vai além da estética e se torna uma forma de preencher um vazio emocional e consolidar uma identidade. A pesquisa, baseada em entrevistas e questionários aplicados a jovens fisiculturistas, mostrou que a musculatura desenvolvida não é apenas um reflexo do treino e da dieta, mas um símbolo de segurança e controle sobre si mesmo. Um dos participantes expressou essa relação de forma marcante: “Sem músculos, eu sou ninguém. Meu corpo é a única coisa que eu posso controlar completamente.” Essa declaração exemplifica como, para muitos jovens, o fisiculturismo funciona como um mecanismo para lidar com inseguranças, traumas ou a necessidade de aceitação social . Essa busca incessante por uma imagem idealizada pode levar a comportamentos extremos, como treinos exaustivos, dietas extremamente restritivas e, em alguns casos, o uso precoce de anabolizantes. O estudo apontou que adolescentes que já tinham uma percepção negativa do próprio corpo antes de iniciarem no fisiculturismo eram os mais propensos a desenvolver hábitos prejudiciais para alcançar o físico desejado . A ideia de que o corpo nunca está suficientemente grande ou definido pode reforçar ciclos de insatisfação crônica, tornando a prática do fisiculturismo uma necessidade compulsiva em vez de uma escolha saudável.
Fisiculturismo e a Formação de uma Subcultura Juvenil
O fisiculturismo, especialmente entre jovens, vai além de um simples esporte ou prática estética. Para muitos, ele representa um estilo de vida e uma forma de pertencimento social. Um estudo que analisou o fisiculturismo como uma subcultura juvenil entre jovens de áreas periféricas revelou que, para esses adolescentes, a musculatura não é apenas uma conquista física, mas um símbolo de status, poder e respeito dentro do grupo.
Um dos participantes descreveu essa dinâmica de forma clara: “Na minha área, ser forte é ser respeitado. Quando você tem músculo, ninguém te olha como um qualquer.” Essa perspectiva destaca como a construção do corpo se torna uma ferramenta de ascensão social e proteção, especialmente em ambientes onde a força física pode estar associada à segurança e autoridade.
Dentro dessa subcultura, o treino não é apenas uma atividade isolada, mas um ritual coletivo que fortalece os laços entre os membros do grupo. O estudo identificou que muitos jovens se referiam à academia como um “refúgio”, um espaço onde podiam expressar sua identidade sem medo de julgamento.
Entretanto, essa mentalidade também pode levar a um comportamento de “tudo ou nada”, onde sacrifícios extremos são romantizados e o uso de anabolizantes passa a ser visto como uma necessidade para alcançar o padrão idealizado.
Um dos entrevistados expressou essa visão de maneira direta: “Aqui ninguém treina de brincadeira. Se quer resultado de verdade, tem que fazer tudo que precisa.” Esse pensamento reforça como, dentro dessa subcultura, a busca pelo corpo perfeito pode superar limites saudáveis e levar à normalização de práticas de alto risco.
Fisiculturismo na Adolescência: O Treinamento é Seguro?
A segurança do treinamento de resistência na adolescência é um tema amplamente discutido, especialmente quando se trata de fisiculturismo, que envolve altos volumes de treino e exigências físicas intensas.
Diferentes estudos analisaram os efeitos do treinamento de força em jovens e chegaram à conclusão de que, quando bem orientado, o treino de resistência não apenas é seguro, mas também traz benefícios para a saúde muscular e óssea.
Um dos estudos revisou os impactos do treinamento de resistência em adolescentes e encontrou melhorias significativas na força muscular, resistência e composição corporal sem evidências de prejuízo no crescimento. A pesquisa também destacou que jovens que seguem programas bem estruturados e supervisionados podem ter densidade óssea aprimorada, reduzindo o risco de fraturas e fortalecendo as articulações. Isso desmistifica o medo de que o treinamento de força comprometa o desenvolvimento ósseo em adolescentes.
Outro estudo analisou especificamente a intensidade do treinamento e sua relação com a segurança e os ganhos musculares. Ele comparou diferentes abordagens – treino de alta intensidade com baixa repetição versus treino de moderada intensidade com alta repetição – e concluiu que ambas as estratégias são eficazes para o desenvolvimento da força em adolescentes, sem riscos adicionais quando realizadas com acompanhamento profissional.
O estudo também reforçou que um fator crucial para evitar lesões e garantir o desenvolvimento adequado é o uso de técnica correta, progressão gradual de carga e períodos adequados de recuperação.
Embora o treinamento em si seja seguro, o fisiculturismo competitivo muitas vezes leva os adolescentes a ultrapassarem limites saudáveis, com cargas excessivas e volume de treino exagerado.
A pressão para atingir um físico altamente desenvolvido pode levar a treinos sem recuperação adequada, aumento do risco de lesões e exaustão física e mental.
Dessa forma, é fundamental que adolescentes fisiculturistas tenham um acompanhamento profissional e adotem estratégias de periodização adequadas para garantir que o treinamento seja eficaz e sustentável no longo prazo.
Conclusão
O fisiculturismo na adolescência pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento físico e mental dos jovens, proporcionando disciplina, autoconfiança e melhorias na composição corporal.
No entanto, quando praticado de forma extrema, pode levar a riscos significativos, como insatisfação crônica com a imagem corporal, dismorfia muscular e o uso precoce de anabolizantes.
Portanto, é essencial que jovens fisiculturistas tenham acompanhamento profissional e acesso à informação para garantir que essa prática seja realizada de maneira sustentável e benéfica. A conscientização sobre os riscos, aliada a uma abordagem equilibrada, pode transformar o fisiculturismo em uma ferramenta positiva para a saúde e o bem-estar dos adolescentes.
Referências
Effects of Combined Resistance Training and Weightlifting on Motor Skill Performance of Adolescent Male Athletes.
The Chronic Effects of Low- and High-Intensity Resistance Training on Muscular Fitness in Adolescents.
Pediatric Strength Training: Benefits, Concerns, and Current Trends.
Body Satisfaction and Use of Anabolic Steroids: Perceptions of Adolescents.
The Bodybuilding Passage to the Act of the Adolescent.
scholar.waset.org/1307-6892/10541
Bodybuilding as a Subcultural Lifestyle of Peripheral Youth. DOI:10.1080/13698575.2016.1211256
Adolescent Boys and Body Image: Weight and Muscularity Concerns as Dual Pathways to Body Dissatisfaction
DOI: 10.1007/s10964-005-8951-3