A Relação Entre Diabetes Tipo 2 e Hipogonadismo: Uma Visão Abrangente

O diabetes mellitus do tipo 2 (DM 2) é uma das doenças crônicas mais prevalentes no mundo, estima-se que em 2021 havia uma prevalência global de diabetes mellitus em pessoas de 20 a 79 anos de cerca de 10,5% com potencial de aumento para 12,2% até 2045. Também em 2021, se estimou para o Brasil uma prevalência de 9,2% da população sendo diabética, variando de 6,3% no Norte a 12,8% no Sudeste (1,2).

Já está bem estabelecido na literatura que a DM 2 está associada aos níveis de testosterona significativamente menores que na população geral(3–5). Associado a isso, estes pacientes apresentam benefícios ao serem submetidos a terapia de reposição de testosterona a qual permite a melhora de distúrbios metabólicos e sexuais, como melhora da disfunção erétil, aumento da libido, e melhora dos marcadores de risco cardiovascular, característicos no paciente diabético com diagnóstico de longa data (6–8).

O que é o hipogonadismo?

A produção de testosterona é regulada pelo eixo hipotálamo-hipófise-testicular. Quando os níveis dessa hormona caem abaixo do padrão normal, especificamente menos de 346 ng/Dl, essa condição é denominada hipogonadismo. A redução da testosterona pode desencadear diversos sintomas, incluindo alterações sexuais, como disfunção erétil e perda de libido, bem como mudanças de humor, sintomas depressivos e decréscimo no desempenho físico (9,10). Tem sido chamado de andropausa a redução nos níveis e testosterona, principalmente quando associado a sinais ou sintomas, também chamado de deficiência androgênica do envelhecimento masculino (DAEM) ou hipogonadismo de aparecimento tardio (11).

A Testosterona Total (TT) em sua maior parte (98%) circula no sangue ligada a proteínas séricas como o SHBG e a albumina, apenas 1-2% da TT se encontra livre de ligação das proteínas, sendo essa a fração livre e biodisponível do hormônio o marcador mais exato do hipogonadismo. O método de maior confiabilidade para dosagem da testosterona livre são os métodos de diálise de equilíbrio ou por ultracentrifugação, entretanto esse tipo de ensaio se encontra disponíveis apenas em laboratórios de referência ou em centros de pesquisa, sendo que o método de dosagem de testosterona livre por radioimunoensaio, amplamente utilizado pelos laboratórios clínicos, não fornece resultado preciso, não sendo, portanto, recomendado(12,13). Diante disso, quando avaliamos as recomendações das maiores sociedades médicas sobre o assunto, vemos que em sua maioria propõe que apenas a dosagem da TT fosse usada tanto para diagnóstico quanto durante o acompanhamento do hipogonadismo (14).

O hipogonadismo masculino é uma condição que aumenta drasticamente a sua prevalência com o envelhecimento, entretanto, também pode afetar homens mais jovens. Segundo um Estudo longitudinal de envelhecimento em Baltimore, a prevalência de hipogonadismo atinge cerca de 12%, 19%, 28% e 49% dos homens com 50, 60, 70 e 80 anos respectivamente (15). Essa prevalência tende a praticamente dobrar quando avaliamos homens diabéticos, um estudo realizado na Jordânia comparando pacientes a prevalência do hipogonadismo entre pacientes com ou sem diabetes, encontrou respectivamente 39,1% e 17,2% de prevalência de hipogonadismo (4).

Como é realizado o diagnóstico de Hipogonadismo?

Múltiplos questionários foram elaborados a fim de servirem como testes de rastreio de hipogonadismo em homens mais velhos. Dentre esses questionários, um que ganha destaque é o questionário ADAM (Androgen Deficiency, in the Aging Male), um questionário com 10 perguntas que avalia sintomas comumente observados em homens com hipogonadismo. O questionário possui 88% de sensibilidade e 60% de especificidade em seu artigo original, já nos estudos que tentaram replicar o questionário original alcançaram alta sensibilidade (variando de 83,5 a 93,85) com especificidade de moderada a baixa (variando de 24,3 a 77,14%) (13,16–19).

Os sintomas do Diabetes podem simular um hipogonadismo?

Quando avaliamos o quadro clínico do Diabetes Mellitus do Tipo 2 (DM2) vemos que é uma patologia geralmente oligo sintomática, tendo como sintomas caraterísticos poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento. Entretanto, além desses sintomas, diminuição da libido, disfunção erétil, diminuição geral da energia e sintomas depressivos, apesar de inespecíficos, possuem prevalência aumentada nessa população, podendo gerar falsos positivos nos testes de rastreio de hipogonadismo (20–27).

Conclusão

Entendendo a complexidade da relação entre diabetes tipo 2 e hipogonadismo, é fundamental reconhecer que os questionários convencionais de triagem para hipogonadismo podem não ser totalmente adequados para pacientes diabéticos. Estes instrumentos podem falhar em capturar especificidades dessa população, destacando a necessidade de desenvolver métodos de triagem mais adaptados e específicos às particularidades dos diabéticos.

Apesar dessas limitações na triagem, a ligação entre diabetes tipo 2 e hipogonadismo é inegável. Observa-se uma prevalência significativamente maior de hipogonadismo em pacientes diabéticos em comparação com a população geral. Esta associação sublinha a importância de considerar o hipogonadismo como parte da avaliação clínica em pacientes com diabetes.

Além disso, o tratamento do hipogonadismo em pacientes diabéticos tem demonstrado benefícios clínicos e metabólicos. A terapia de reposição de testosterona, por exemplo, pode melhorar não apenas os sintomas do hipogonadismo, mas também contribuir para um melhor controle do diabetes. Esta abordagem integrada pode levar a uma melhoria significativa na qualidade de vida e nos resultados de saúde dos pacientes.

Portanto, é essencial uma avaliação clínica cuidadosa e uma abordagem terapêutica personalizada para pacientes diabéticos com hipogonadismo, visando otimizar tanto o manejo do diabetes quanto o tratamento do hipogonadismo. A adoção de estratégias de triagem e tratamento mais específicas e eficazes para essa população é um passo crucial na melhoria dos cuidados de saúde.

Referências

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