Antes de começarmos a falar sobre o teste ergométrico em pacientes com marcapasso, gostaria de me apresentar. Sou médico do Esporte, residente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (HCFMUSP), atuando com avaliação cardiovascular e testes ergométricos. Atuo na realização de testes ergométricos na Fleury e atendo pacientes particulares e online em São Paulo. Se você precisa de um médico para avaliar essa condição, clique no botão abaixo e agende uma consulta.
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O que é um marcapasso e como ele influencia a resposta ao exercício?
O marcapasso é um dispositivo eletrônico implantável utilizado para tratar distúrbios do ritmo cardíaco, como bradicardia sintomática e bloqueios atrioventriculares. Ele funciona emitindo impulsos elétricos que estimulam o coração quando a atividade elétrica natural está comprometida, garantindo uma frequência cardíaca adequada para a perfusão dos órgãos.
Durante o exercício, a resposta fisiológica normal envolve um aumento progressivo da frequência cardíaca e do débito cardíaco para atender à demanda metabólica dos tecidos. Pacientes com marcapasso podem apresentar limitações nessa resposta, especialmente se dependentes do dispositivo para a estimulação cardíaca. O impacto do marcapasso no desempenho durante o exercício depende de diversos fatores, incluindo:
O modo de estimulação (VVI, DDD, VVIR, DDDR);
A preservação da função do nó sinoatrial;
A capacidade de modulação da frequência (presente em dispositivos rate-responsive);
A sincronização entre os átrios e ventrículos.
Pacientes que utilizam marcapassos sem ajuste de frequência responsiva podem apresentar uma resposta inadequada ao exercício, com incapacidade de aumentar a frequência cardíaca conforme a demanda metabólica, resultando em fadiga precoce e limitação funcional.
Importância da avaliação de pacientes com marcapasso no teste ergométrico
O teste ergométrico é uma ferramenta essencial para avaliar a função cardiovascular em pacientes com marcapasso. Ele permite:
Avaliar a resposta cronotrópica do marcapasso durante o esforço;
Identificar eventuais disfunções do dispositivo, como falhas na detecção (undersensing) ou sensibilidade excessiva (oversensing);
Determinar a capacidade funcional do paciente e sua tolerância ao exercício;
Orientar ajustes na programação do marcapasso, otimizando a resposta ao esforço;
Monitorar a presença de fenômenos esperados, como o Wenckebach eletrônico (bloqueio AV funcional em marcapassos DDD durante frequências elevadas).
Além disso, o teste ergométrico auxilia na estratificação do risco cardiovascular e na elaboração de programas de reabilitação física para pacientes com dispositivos implantados, garantindo maior segurança e eficiência no tratamento da sua condição.
2. Funcionamento dos Marcapassos Durante o Exercício
Modos de Estimulação (VVI, DDD, VVIR, DDDR)
Os marcapassos podem operar em diferentes modos de estimulação, que determinam como eles detectam e respondem à atividade elétrica do coração. A nomenclatura é composta por uma sequência de letras que indicam:
Primeira letra: Câmara estimulada (A = átrio, V = ventrículo, D = ambos).
Segunda letra: Câmara sensível (A = átrio, V = ventrículo, D = ambos, O = sem sensibilidade).
Terceira letra: Resposta à atividade cardíaca (I = inibição, T = disparo, D = ambos).
Quarta letra: Modulação da frequência (R = rate-responsive, ajusta a frequência de acordo com a demanda do paciente; O = sem modulação de frequência).
Quinta letra (opcional): Estimulação multissítio (A = átrio, V = ventrículo, D = ambos, O = sem estimulação adicional).
Principais Modos e Suas Influências na Resposta ao Exercício:
VVI: Estimula e detecta apenas o ventrículo. Não mantém a sincronia AV, podendo limitar a resposta ao esforço.
DDD: Detecta e estimula átrio e ventrículo, preservando a sincronia AV. Proporciona melhor resposta cronotrópica ao exercício.
VVIR: Igual ao VVI, mas com ajuste automático da frequência conforme a necessidade do paciente.
DDDR: Modo mais avançado, que permite detecção e estímulo em ambas as câmaras com modulação da frequência, garantindo uma resposta mais fisiológica ao esforço.
Ajustes Automáticos de Frequência (Rate-Responsive Pacing)
Alguns marcapassos possuem sensores que ajustam automaticamente a frequência cardíaca de acordo com a demanda metabólica do paciente. Esses sensores podem detectar mudanças em:
Movimento corporal (acelerômetros internos).
Ventilação (sensor de impedância torácica).
Temperatura corporal e níveis de atividade autonômica.
Esse ajuste é essencial para pacientes que não apresentam resposta cronotrópica adequada, permitindo um aumento progressivo da frequência cardíaca durante o esforço.
Diferença Entre Pacientes Dependentes e Não Dependentes do Marcapasso
Pacientes Dependentes: Precisam do marcapasso para manter a função cardíaca, pois não geram ritmo próprio adequado.
Pacientes Não Dependentes: Possuem atividade elétrica espontânea, mas o marcapasso atua como suporte quando necessário.
Durante o teste ergométrico, pacientes não dependentes podem alternar entre o ritmo próprio e a estimulação do marcapasso, enquanto pacientes dependentes dependerão exclusivamente do dispositivo para resposta ao esforço.
3. Protocolos para Teste Ergométrico em Pacientes com Marcapasso
A escolha do protocolo adequado para o teste ergométrico depende do tipo de marcapasso e da resposta cronotrópica do paciente:
Pacientes com marcapasso que dita o ritmo: O protocolo recomendado é o CAEP, pois permite avaliação da resposta do marcapasso ao esforço de forma progressiva e segura.
Pacientes que alternam entre ritmo próprio sinusal e estimulação do marcapasso: Os protocolos mais utilizados são Bruce, Ellestad ou Bruce Modificado, dependendo do nível de condicionamento físico do paciente:
Bruce: Indicado para pacientes com capacidade funcional moderada, que conseguem subir um morro, mas apresentam maior dificuldade em conseguir correr, por exemplo.
Ellestad: Protocolo que aumenta mais a velocidade que a inclinação, sendo mais utilizado em pacientes jovens.
Bruce Modificado: Alternativa para pacientes com menor tolerância ao esforço, permitindo uma progressão mais suave na carga de trabalho.
A escolha do protocolo deve ser baseada na capacidade funcional do paciente e no objetivo da avaliação ergométrica.
4. Alterações Eletrocardiográficas em Pacientes com Marcapasso
Oversensing
O oversensing ocorre quando a sensibilidade do marcapasso está aumentada, fazendo com que ele detecte sinais elétricos externos ou internos que não deveriam ser interpretados como atividade cardíaca. Isso pode incluir artefatos musculares, interferências elétricas ou até mesmo ondas T proeminentes. Como resultado, o marcapasso inibe indevidamente a estimulação, levando a pausas prolongadas no ritmo cardíaco ou até mesmo episódios de assistolia, pois o dispositivo entende que há atividade espontânea suficiente e não dispara os impulsos necessários.
Undersensing
O undersensing, por outro lado, ocorre quando a sensibilidade do marcapasso está reduzida, impedindo-o de reconhecer corretamente a atividade elétrica cardíaca. Nesse cenário, mesmo quando um batimento espontâneo ocorre, o marcapasso não o detecta e, consequentemente, pode continuar estimulando desnecessariamente. Isso pode resultar em superposição de estímulos do marcapasso com o ritmo próprio do paciente, podendo gerar arritmias, batimentos fusionados ou respostas hemodinamicamente inadequadas.
Período Refratário
O período refratário é o tempo durante o qual o marcapasso não responde a estímulos após a detecção ou estimulação de um batimento. Ele é fundamental para evitar que o marcapasso interprete ondas T ou potenciais tardios como novos batimentos.
Blanking Period
O blanking period é um intervalo curto após um estímulo ou detecção de um evento no qual o marcapasso ignora completamente qualquer sinal elétrico. Esse mecanismo impede que o marcapasso detecte sua própria estimulação ou artefatos elétricos indesejados.
PVARP (Post Ventricular Atrial Refractory Period)
O PVARP é um período refratário pós-ventricular que impede que a atividade elétrica retrógrada dos ventrículos seja erroneamente interpretada como uma onda P verdadeira. Esse mecanismo é essencial para evitar respostas inadequadas e disparos desnecessários.
Wenckebach Eletrônico
O Wenckebach eletrônico ocorre em marcapassos DDD quando a frequência atrial excede a capacidade programada do dispositivo, levando a um bloqueio progressivo dos impulsos atriais antes que um batimento ventricular seja conduzido. Esse fenômeno simula um bloqueio AV de Wenckebach e é uma adaptação fisiológica do dispositivo para evitar estimulações ventriculares excessivas.
Falha de Captura
A falha de captura ocorre quando o marcapasso emite um estímulo elétrico, mas esse impulso não consegue despolarizar o miocárdio. As causas podem incluir deslocamento do eletrodo, aumento do limiar de estimulação ou problemas na interface entre o eletrodo e o tecido cardíaco.
Fusão
A fusão acontece quando um batimento espontâneo do paciente ocorre ao mesmo tempo que um estímulo do marcapasso, resultando em um complexo QRS híbrido que tem características tanto do ritmo próprio quanto da estimulação artificial.
Pseudo-fusão
A pseudo-fusão ocorre quando o marcapasso emite um estímulo próximo a um batimento espontâneo, mas o impulso do dispositivo não tem efeito significativo porque o coração já estava despolarizado. Esse evento é geralmente inofensivo, mas pode ser confundido com falha de captura em algumas situações.
A correta identificação dessas alterações eletrocardiográficas durante o teste ergométrico é essencial para avaliar o funcionamento do dispositivo e otimizar sua programação, garantindo uma melhor adaptação às demandas do paciente durante o esforço.
Considerações Finais
A correta identificação dessas alterações eletrocardiográficas durante o teste ergométrico é essencial para avaliar o funcionamento do dispositivo e otimizar sua programação, garantindo uma melhor adaptação às demandas do paciente durante o esforço. O acompanhamento contínuo desses pacientes é fundamental para ajustar parâmetros do marcapasso, prevenindo disfunções que possam comprometer a segurança e a qualidade de vida.
Os testes ergométricos representam uma ferramenta valiosa para monitoramento e ajuste de marcapassos, permitindo que cardiologistas e especialistas em eletrofisiologia avaliem a resposta do dispositivo ao esforço físico e realizem intervenções quando necessário. Dessa forma, é possível proporcionar um tratamento mais personalizado e eficaz para cada paciente com marcapasso implantado.